terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PUBLICADA NO JORNAL NOVA ESPERANÇA - 2

Os Dois Lados do Atlântico
A actualidade percorre trajectos impensáveis algumas décadas atrás. Olho o futuro com expectativa no sentido de perceber quais as novidades, que a capacidade da espécie humana, irá apresentar. A caminhada dos nossos passos, no momento que vivemos, pode parecer lento porque andamos embrenhados no acelerado quotidiano das vidas. Luta-se por informação, muita é lixo inocente, mas muita é um tóxico propositadamente colocado à nossa disposição para aceitarmos determinadas verdades em construção… assim acredito, pois assento a minha curiosidade e a vontade de caminhar, mesmo que seja numa praia deserta onde sou eu que marco a areia com o dedo grande dos meus pés, para que lá mais á frente consiga também eu ancorar uma embarcação.
Passados vinte anos olho-me ao espelho e vejo um homem em amadurecimento… espero que não me tenham vendido um espelho da extinta Casa dos Espelhos da Feira Popular, assim como os anos tem vinte quilos a mais, cicatrizes exteriores, suturadas por um excelente cirurgião plástico das urgências dos HUC, e interiores a sarar com as pegadas errantes e acertadas que cada um dos meus pés vai fazendo, umas vezes em conjunto outras em separado, o que nesta ultima perspectiva, normalmente, resulta em queda. Não me esqueço das rugas nem dos cabelos grisalhos e, se por cada um é um grão de aprendizagem, tanto melhor.
Em meu redor encontro um sem número de motivos para me orgulhar do tempo em que vivo. Começo alguns dias acabrunhado, mas nunca tive uma manhã sem sorrir. Nem sempre dura… também tenho de aguentar e tolerar a inocência de alguns e o cruzamento de vidas de outros. No entanto, o sorriso esconde-se para que não mo levem nem lhe coloquem amarras constrangedoras. Sorrir sozinho neste cantinho à beira mar plantado pode ser um suicídio social porque a falta de humor generalizada compete com a difícil capacidade lusitana em se rir de si próprio. A autoconfiança parece estar em vias de extinção … pelo menos em público porque virá à tona de água que, rir sem motivo é coisa de loucos e rir sem que o alheio saiba qual o motivo idem, por isso rir ou não rir pelo menos que se salve a boa disposição, que será um grande passo para o fim do complexo do riso.
O riso na minha memória traz ao momento sensações de alegria e melancolia. As novas tecnologias fazem, do vazio no espaço, a maravilha da aproximação. Conseguem colocar os presentes de todas as partes do mundo em sintonia e à conversa no mesmo canal e em tempo quase real.
O riso, que no passado circulou nas desgastadas escadas da velha Escola Secundária de Penacova, apareceu-me um dia destes a vaguear nas memórias. O agradável recordar as risadas da idade dos 12 anos, onde se destacava o Virgílio, sempre pronto a caricaturar ou a desenhar uma perspectiva natural ou pessoal.
O riso que hoje senti ao encontrá-lo do outro lado do oceano, eu sentado a observar o Tejo a deslocar-se para o atlântico e a imaginá-lo a olhar pela sua janela a ver um mar de janelas viradas para ele. Os passos grandes destes pés pequenos. A caminhada percorrida afasta, mas também permite o reencontro, ainda que só possível virtualmente. Fisicamente ficará para um reencontro de futuro.
O que será a nossa alma sem amizade nem riso. Dostoievski acreditava que através do riso perscrutamos a essência do ser humano, seja por riso encapuçado seja por uma vontade franca de rir para a vida. Existe sempre a possibilidade de sorrirmos sem vontade, o rosto fica contorcido por certo, mas quando a alma promove em nós uma vontade pura de riso, sentimos o peito a expandir-se através de um momento feliz que nos percorre o corpo.
Acredito, que por vezes ainda escuto os risos largos do Virgílio sentado nos degraus mal varridos e bolorentos, que permitiam acesso nas traseiras do bar às salas de trabalhos manuais, onde fui apanhado pelo professor a fazer uma fisga de grampos e onde o meu primo EDP esfregou um bolo com chantilly no rosto do Virgílio, por este ser guloso.
Aquele velho sentado sobre a vida, que carregou para futuro um riso manifestado num leve bocejo do seu olhar, olha-nos de sobranceiro saber de que, por mais leve que seja, o riso também ...
O riso que a memória carrega!...
Olhar nos olhos do Tempo
Todos os contornos têm um tempo, mesmo o mais fino traço de Dali tem o seu tempo… de execução e de existência. É difícil olhar nos olhos do tempo firmemente, pois num piscar… lá se foi o tempo do momento. São olhos que observam, que nos acompanham no quotidiano e que por vezes aguardam pelo momento certo para nos fazerem acreditar que podemos estender ou encurtar as voltas do tempo.
Num dobrar de esquina uma sombra abraça-nos, amarrota-nos a camisa enquanto se mantém ao nosso lado, mais rápida ou mais lenta, parece nunca sossegar e com vontade de, a curto espaço de tempo, nos irritar porque sabe ser impossível tocar-lhe.
O tempo deixa que se pegue a nós os momentos que quiser.
Passado, presente e futuro são as facetas eternas das existências temporais. Habituámo-nos a olhar o futuro como uma promessa e com uma ânsia de o agarrar. É aí que o tempo se diverte a ver que nos esfalfamos para lhe pormos a mão no caminho. Esquecemo-nos que carrega consigo um segredo que nunca transmitiu a ninguém. Percorre as passadas de todos nós sem nos permitir ter a percepção da sua envolvência e dá sempre um passo mais à frente, que nos obriga a olhá-lo com vontade de o seguir. Por vezes martirizamos a caminhada na tentativa de saltar o presente para nos livrarmos do que existe em nós, acreditando que lá mais para a frente conseguimos fugir à fatalidade do presente.
Foi presente, agora é passado e o futuro que vislumbrávamos no horizonte deslocou-se um pouco mais para lá do vértice do tempo e estendeu a distância. Só aí nos apercebemos, pelo menos os menos distraídos, que trouxemos qualquer resquício de lá de trás para a realidade de agora, que seria o futuro, mas que ao ser alcançada se tornou realidade.
Em criança fizeram-me acreditar que existia um caminho que nos levava directamente para o futuro. Inocências que foram pensadas na imaginativa mente de um pequeno ser preocupado com esse caminho, que pretendia percorrer sem se perder nas margens. Tínhamos de fazer as nossas tarefas bem feitas para que, através de um certo tempo, conseguíssemos alcançar o vértice ou cocuruto do tempo e aí tudo se tornaria resplandecente. Nos poucos momentos sozinho em frente à televisão, em que o Vasco Granja anunciava mais um programa para a pequenada, acreditava que algumas civilizações tinham alcançado o futuro e isso enchia-me de alegria. Tenho ainda o desejo latente de visitar o que resta dos Astecas, dos Maias e principalmente dos Incas para esmiuçar o seu legado e tentar encontrar vestígios do seu caminho, que os levou a ser tão superiores.
Aqui na Europa acreditamos no ouro, o negro também, como se fosse o bem mais necessário que as entranhas da terra nos permitem obter em pequenas pitadas, para que lutemos por ele acima de qualquer outra carência. Vejo mais margem de baldio do que via no passado. Onde é que, na transição da fase adolescente para a idade adulta se perderam ou num termo mais psicótico se desviaram do tal caminho que nos colocaria lá mais à frente?
Teremos tido o mapa com a melhor cartografia e a mais correcta? Os ensinamentos terão sido hipoteticamente idênticos e talvez seja nessa ínfima partícula do tempo da aprendizagem que continuamos a cair na distracção e tudo o que foi construído de pouco parece servir para um bom contributo individual na construção duma humanidade, no sentido humano e nunca num sentido de um grande grupo dominante num espaço confinado ao planeta Terra, para legarmos uma realidade acertada.
Olhar o tempo nos olhos passa por levar o que o passado tem de bom para o futuro sem esquecer os momentos incorrectos do presente como exemplos negativos. Porque não obrigarmo-nos a responsabilizar aqueles que se apoderam do lado mau do tempo e levá-los perante o escrutínio dos guardas desse tal caminho certo para o futuro?
Olhar nos teus olhos também é ver o teu tempo, que por eles passou e através deles é possível obter réplicas do tempo que trazes dentro de ti. O brilho ou a opacidade do teu pestanejar demonstra ou esconde o caminho para o futuro que te mostraram no passado, em que acreditaste ou talvez não, no entanto continuará a ser ele a ditar a tua pegada. A mudança é como o tempo, feita de pequenos momentos encruzilhados com questões pessoais, sociais e culturais de base. O tempo de agora tem vindo a demonstrar caminhos e alternativas aos caminhos do passado, por vezes errantes por vezes nefastos aos olhos deste presente, que rapidamente será passado e vamos acreditando num novo futuro, talvez já agastado com a realidade de futuros passados, aceder a um outro vértice sem nunca dizermos a nós próprios que as ferramentas que constroem essa extensão de tempo estão no estender da nossa mão, se tentarmos agarrar as conjunções da mudança que se apresenta a decorrer sempre que a humanidade promova um momento.
Afinal é de superioridade que se trata nesta caminhada sem tempo certo.
Tudo leva o seu tempo, é necessário olhá-lo nos olhos.