segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Publicada no Jornal Nova Esperança - 13

O JORNAL DO TEMPO
 

O tempo tem algo em si efémero quando passa rápido. É recorrente pois nele temos de fazer e refazer o quotidiano como se fosse uma luta de avanço – retrocesso – evolução. É também eterno. Percorremos a sua linha e só vislumbramos o segmento de recta onde nos encontramos… do lado de cá da linha do horizonte. Perdidos?...

Por vezes é essa a sensação de perdidos na imensidão do tempo a viver os segundos como se fossem as partes mais importantes e existentes entre os ponteiros do relógio.

Nas conversas saudosistas podemos descobrir postais ilustrados do passado que se revelam preciosidades.

Decorreu meio século… quem o viveu afirma ter passado rápido. Muito mudou. Algures no tempo a vila era percorrida por bicicletas e talvez um automóvel. Sentado no chafariz, com tantas recordações impregnadas no velho granito, olho em volta e não há espaço disponível para tanto automóvel. Fazem falta as bicicletas características da vila… o tempo corre…

As memórias por vezes dão sacudidelas dentro do baú onde as guardo… “o autocarro das 13 horas pára em frente do Café Neves. Enquanto os barulhentos passageiros se empurram para sair, o motorista atira o rolo de jornais. Notícias frescas”, dizia… Algumas vezes encharcadas pela chuva. Olho em frente e vejo a primeira papelaria da vila ainda aberta. Provavelmente a D.ª Arminda estará à espera do fim do dia para tirar as molas das revistas e regressar a casa. Recebia sob encomenda o jornal “Blitz”. Dois exemplares, um para mim, outro para o Mendes. Sentíamos a música estrangeira. Lia-se e desejava-se poder ouvir… As minhas bandas começam a ter alguma idade. Poucas se salvaram das garras do tempo empoeirado.

As teias de aranha nas janelas das casas fechadas estão mais amarelas. Alguns rostos deixaram de aparecer no adro. O silêncio nocturno propaga a sua existência pelas ruas iluminadas. A luz, que à noite poucos utilizam, ilumina as pisadas do tempo rodado no relógio, que apagou do quotidiano o murmúrio do convívio social.

O fantasma da noite apoderou-se das sombras que parecem ser os únicos vagueantes no centro. Noutros tempos as sombras escondiam-se para darem lugar aos transeuntes perturbadores de sonos leves. O tempo mostra-se agora mais passivo apresentando a noção de que é mais longo e de que temos… mais tempo. Engano?...

Um talvez não é suficiente quando olhamos o tempo percorrido e nele encontramos traços de pegadas que ainda reconhecemos. Não é suficiente quando corremos para um espaço que ao longe se ilumina porque queremos estar lá e quando nos aproximamos vemos a luz a enfraquecer e cresce-nos a sensação de perdido, confundido pela certeza de ser aquele o seu aposento. É engano quando o tempo esconde o passado sob um presente que parece em tudo diferente. Luto por não desconhecer esta realidade e tento acompanhar com um sorriso.

Hoje sentado, na pedra onde sempre me sentei, transporto-me sobre esse segmento de recta até à direita do futuro. Faz-me acreditar que é possível continuar a redefinir as recentes pegadas.

O “Blitz” já não é jornal, é revista. As bicicletas foram substituídas por automóveis. Os rostos mais velhos retiraram-se, mas a pedra continua polida e daqui é possível um olhar de 360 graus.