quarta-feira, 30 de março de 2011

PUBLICADA NO JORNAL NOVA ESPERANÇA - 7

QUEM SOMOS

Quem somos? Quem és tu? Quem sou eu? Quem…? A rua terminava, mas já não termina na casa da professora. A vida e o mundo prolongaram-se para lá do cimo do monte. A igreja está, de acordo com os preceitos de altar dirigido a Norte, de costas voltadas para a Vila. A criatividade artística de quem por cá passou não se liga aos dias de hoje! De escola a centro de saúde… salve-se a aprendizagem da doença, que, quer queiramos ou não, carregamos dentro de nós e que se revela em pleno se formos velhos!
Quem… fugiu daqui e deixou ficar o rasto empoeirado das suas primeiras marcas? Dos morangos tirados ao padre, das corridas imaginadas, ou não, sentados na carreta, manivela para a esquerda, manivela para a direita… sai daí que essa corrida ainda não é para ti. Quem…? Atirou bombinhas de carnaval para dentro do pátio do vizinho mais rabugento, sem saber que o cão morreria de ataque cardíaco?
O código mais estranho do “B” e do “A”… quem? Teve a triste ideia de fechar vinte crianças numa sala fria e de tecto alto com um adulto lá ao cimo a explicar aquilo que teríamos de aprender… soubesse eu a frase de Eça de Queirós em que pede a Deus paciência para aturar esta sociedade e, eu acreditaria que alguém naquela idade me compreenderia. Quem…? Ainda hoje quer, que nos sete ou oito anos de vida, tivéssemos tido uma professora tirana sem sentido de ensino e nos levasse a acreditar que os anarcas têm um futuro promissor.
Quem? Queria ter à sexta-feira um homem com umas vestes pretas e de colarinho branco a dizer-nos para acreditar em alguém que estava por cima do azul do céu… mas que se esqueceu de dizer que, estas coisas de fé devem no meu entendimento, sair de dentro nós para que se apresentem aceitáveis e credíveis. Preferia a hora de danças populares em que me obrigavam por ordem alfabética ou… alternada, já não me recordo, a saltar o vira com os meus pés de chumbo. Desculpa Isabel se “botei” alguma unha negra.
Alguém continua a regar a nogueira, plantada do lado da quarta classe? Ai o frio no rabo quando tínhamos de ir à casa de banho. E… a melhor poupança de água é estar congelada na canalização. E… alguém guardou a sua caneca com que bebia do panelão a granel o seu leite com café? A minha era verde de plástico. Desculpa Casaca porque parti a primeira na tua cabeça porque me querias passar à frente. Ainda algum miúdo leva uma cavaca e uma pinha todos os dias de inverno para a escola? Ainda existe a régua assombrosa de madeira rija? Quem teve a coragem de a esconder? A acontecer só pode ter sido o primo Emídio. Tenho um feeling muito forte!
Quem se esqueceu da tabuada ou do TPC? Hum…?!
Os momentos e as pessoas que deram o seu contributo na construção do nosso futuro devem ser recordadas, no antes e no depois, da sua viagem…e a encenação do que é aceitar uma sociedade de descartáveis começa no dia imediatamente antes do primeiro contacto com a sociedade, seja à porta de casa seja no primeiro dia de escola. Oito e oitenta cada um gere a sua medida, mas que o oito de alguém não se transforme no oitenta e oito de todos nós. As estruturas individuais e as sociais têm os alicerces firmes quando damos uma gota do nosso suor e nos fazemos acreditar do real valor que isso tem.
Quem és tu? Poderá perguntar o espelho… o objecto mais isento e cruel que poderemos pendurar no nosso espaço.
Quem sou eu? Será que tenho a certeza? Talvez não… mas adoro pendurar espelhos e de os iluminar. O quão estranho pode parecer!
Quantos ainda consideramos ter professora primária? Eu sei que tenho… mora na casa de sempre, na rua que lá terminava, mas que agora, muitos dias, passa ao lado no adro da igreja! Quantos… não esqueceram o nome dela? Não será prepotência dizê-lo aqui em público, pois acredito que as raridades devem ser preservadas no íntimo de todos. E a idade? Não faço a mínima ideia, já foi professora da geração dos nossos pais. Sorte de alguns!
Desculpem… Isabel e Mariana são ainda as minhas professoras primárias!