A reunião de família no mês de agosto é carregada de emoções. Os fundadores
deste núcleo de pessoas fora afetado pelas migrações. Estas deslocações para
vários pontos do país e da Europa impregnou as nossas vidas com registos
culturais que nos afastam da homogeneidade familiar mas que, nos enriquecem
enquanto membros isolados dentro desta família.
A troca da boina era um momento rico de amor, partilhado entre as três
gerações. Induzia o avô e os netos numa relação de cumplicidade onde o mais
velho tolerava com relutância que o despojassem de um adorno acompanhante de um
ano e os mais novos encontravam o motivo para darem abraços e se criar o
momento desconjuntado de afastamento da dureza de alguma hierarquização no seio
familiar e da aproximação por bem.
Não compreendia porque tinha de ser eu a barbear o meu avô quando tinha
filhas e genros. Era-me dada a crueza de um ato que temia por considerar não
estar à altura do feito. E, a possibilidade de cometer um erro ao deslizar a
lâmina pelas rugas era um tormento. Porém a exposição da força humana daquele
rosto à acutilância da lâmina era um voto de confiança, de cumplicidade e de
grandeza para com o primeiro descente homem. A alvura dos seus pêlos escondiam
o tumulto de uma vida na luta pelo legado genético e pela materialização do
conforto deixado por herança como fosse esse o objetivo para esquecer as
agruras e a inexistência de afetos no seu crescimento. O tormento da fome
transformou-se na alavanca que hoje move os viventes que lhes foram próximos.
Tenho presente a imagem por bastião de um ancião no seu trono de pinheiro.
Agnóstico convicto de que as ditas patranhas da Casa nada valem, se quem as
profere não acreditar que o bem e o mal são a essência da construção humana.
Sentado com o seu manto de tecido turco envolto no pescoço aguarda que a espuma
se misture com os traços desgastados pelos anos da vida imensa em que, a mão
trémula deste neto lhe limpe da face o registo do tempo antigo e lhe possa
trazer por algumas horas o rejuvenescimento desse corpo.
A mão trémula de hoje é de saudade e de incapacidade no preenchimento do
vazio, relembrado inesperadamente pela trivialidade da extração dos pêlos.