sábado, 21 de maio de 2011

Fernando o aluno de 72 anos

O quotidiano é marcado pela corrida dia após dia. Somos formigas onde os sonhos e objectivos difíceis são elefantes que tentam incessantemente pisar a marcha e interromper a integridade da vontade individual.

Lucila, personagem desta passagem fugidia, acredita que na sua longínqua terra de São Tomé e Príncipe é que estão os loucos tradicionais a deambularem nus pelas ruas, a assustarem crianças desprotegidas e a divertirem os menos compreensivos. Afirma ver todos os dias centenas ou mesmo milhares de loucos modernos. Cruzam-se vezes sem conta e não percebem que nem têm tempo para escutar as suas palavras…. Os loucos modernos levantam-se cedo, correm para longe onde ninguém quer saber deles, regressam quando já ninguém os vê nem tem paciência de os olhar de frente. Estes loucos deambulam nas ruas bem vestidos julgando terem um sentido de vida quando a vida parece não lhes dar sentido para viver.

Marcamos espaço com atitudes contínuas. Esquecemos a matriz que é impressa pela vivência. Apagámos do comportamento a maior parte da característica que diferencia a nossa espécie de todas as outras. Solidariedade!

Fernando, o aluno mais velho de uma turma esquecida de uma faculdade de Lisboa luta para que os setenta e dois anos não lhe levem a vida. É um exemplo de persistência, vontade e de querer viver com sentido… luta para se livrar da oncologia que o atormenta e lhe coloca sombras na parte de trás do caminho. As sessões e as injecções são pequenos/grandes pedregulhos que o livro da vida lhe coloca no caminho todos os dias. A bengala é a sua companheira clandestina dos trajectos e com ela o olhar firme de quem quer ter muito ainda a aprender e a transmitir, marcha contra as adversidades. Os seus netos podiam ser seus colegas ou seus professores. Nada o demarca do querer ver também a vida por um canudo. Foi assim que o ensinaram a ver a vida académica.

Os companheiros de estudo são amiguinhos e só muito a custo conseguimos arrancar-lhe algumas palavras de tristeza. É incapaz de partilhar rancores e os maus tratos prefere levá-los pois, acredita ser indesejado dar vida aos espinhos.

Uma lágrima traiçoeira percorre o seu espírito e não se solta. Permanece escondida na firmeza do seu querer. Seja agora ou amanhã, também ele há-de ver a vida por um canudo. Quem o tem nem sempre lhe dá o real valor. O valor vivido através da experiência… e aquele professor que o obrigou a fazer o terceiro exame daquele dia, após uma ida à oncologia e por vergonha esquiva colocou na pauta como faltoso, desafortunadamente tem apagada da sua matriz académica a firmeza da atitude que diferencia o sangue que nos corre nas veias.

No exemplo de Fernando e utilizando palavras suas, ir todos os dias para a faculdade é ganhar vida! Esquecer os pedregulhos que lhe são colocados na caminhada faz parte da grandeza de Homem. Começa a ter dificuldade… de ver, o que realmente deveria ser visto!