sábado, 10 de agosto de 2013

O Barbear do Rosto


A reunião de família no mês de agosto é carregada de emoções. Os fundadores deste núcleo de pessoas fora afetado pelas migrações. Estas deslocações para vários pontos do país e da Europa impregnou as nossas vidas com registos culturais que nos afastam da homogeneidade familiar mas que, nos enriquecem enquanto membros isolados dentro desta família.

A troca da boina era um momento rico de amor, partilhado entre as três gerações. Induzia o avô e os netos numa relação de cumplicidade onde o mais velho tolerava com relutância que o despojassem de um adorno acompanhante de um ano e os mais novos encontravam o motivo para darem abraços e se criar o momento desconjuntado de afastamento da dureza de alguma hierarquização no seio familiar e da aproximação por bem.

Não compreendia porque tinha de ser eu a barbear o meu avô quando tinha filhas e genros. Era-me dada a crueza de um ato que temia por considerar não estar à altura do feito. E, a possibilidade de cometer um erro ao deslizar a lâmina pelas rugas era um tormento. Porém a exposição da força humana daquele rosto à acutilância da lâmina era um voto de confiança, de cumplicidade e de grandeza para com o primeiro descente homem. A alvura dos seus pêlos escondiam o tumulto de uma vida na luta pelo legado genético e pela materialização do conforto deixado por herança como fosse esse o objetivo para esquecer as agruras e a inexistência de afetos no seu crescimento. O tormento da fome transformou-se na alavanca que hoje move os viventes que lhes foram próximos.

Tenho presente a imagem por bastião de um ancião no seu trono de pinheiro. Agnóstico convicto de que as ditas patranhas da Casa nada valem, se quem as profere não acreditar que o bem e o mal são a essência da construção humana. Sentado com o seu manto de tecido turco envolto no pescoço aguarda que a espuma se misture com os traços desgastados pelos anos da vida imensa em que, a mão trémula deste neto lhe limpe da face o registo do tempo antigo e lhe possa trazer por algumas horas o rejuvenescimento desse corpo.

A mão trémula de hoje é de saudade e de incapacidade no preenchimento do vazio, relembrado inesperadamente pela trivialidade da extração dos pêlos.

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