terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

PUBLICADA NO JORNAL NOVA ESPERANÇA - 1

Um Pé Cá Outro Lá

Entrei no comboio com uma ideia no horizonte. Informar-me sobre o meu concelho para fazer um trabalho que me permita vir a ter orgulho. Falta à população conhecer a sua evolução e qual o seu papel no conjunto populacional enquadrada na pirâmide etária.
Para trás deixei a minha mulher com saudades que ainda não tinham começado. Fiquei triste porque não gosto que me diga adeus.
Não gosto.
Os seus olhos ficam tristes e o meu coração vai enfadado. Os meus passos mostram-se firmes para esconder a nostalgia daquele momento, mas vou!
Vou ao encontro de algo que não está lá… onde irei procurar. A pesquisa e a recolha de informação são uma justificação para rever tudo novamente, mais uma vez sem me cansar. Nunca acreditei nas palavras sobre as origens e regresso. Hoje reconheço a minha inocência. Tenho saudades e muitas.
O cheiro a frio do Mondego a subir pelas encostas de Penacova. Orgulho-me de saber pronunciar esta palavra. “Pênacóva”. Tem tanto significado como são Pedro de Alva. Foi lá que comecei a fazer-me homem á força.
Lisboa, rainha das invejas e de coração amargo, consome meu tempo. Estes regressos, mesmo efémeros, avivam a alma e repõem no seu lugar tudo aquilo que sou. Traz-me às narinas o cheiro a pinho queimado nas lareiras.
Não tenho receio dos sorrisos. Os penacovenses podem ser sérios, mas quando sorriem são francos. Fazem-no de olhos frontais e brilhantes. Não têm lânguida compaixão.
Na estação de Coimbra B encontro um conjunto de emoções agradáveis. Olho os prédios em volta e lá longe parece que a Marta sorri a acenar. Boa, não és efémera! Vejo-me fardado ao domingo à tarde de regresso à brutalidade da recruta. Ainda ouço os sargentos e cabos, homens de segunda a sexta dentro de muros, a gritarem pela formatura. Virilidades transversais na transição da geração da voz pela força para a geração da voz pelo poder da palavra.
O comboio ainda dá os mesmos solavancos. Pensava que o investimento público na modernização dos caminhos-de-ferro tinha sido mais eficaz. Já me tinha esquecido da senhora das queijadas que entra em Santarém, sai em Coimbra e vice-versa. A mesma luta de há vinte anos.
Na plataforma vejo os meus pais felizes. Estão felizes. Por um dia esquecem as dores, diabetes e rabugices. O seu filho vem a casa. Será sempre a casa. A constante luta pelo legado. O comboio ainda não parou e já sorriem. O dia, que esperam há meses, está finalmente a chegar.
Olho à volta. Reconheço alguns rostos. São desconhecidos, mas tenho a sensação que sou próximo de todos. Humildade e vida difícil…? Mais feliz e desprendida da vida com que estou a habituado a conviver. Apetece-me ser louco, apertar a mão a todos e desejar um bom dia. Sinto aquela paz própria do reencontro com as memórias.
O Mirante e o serpenteado do Mondego fazem-me saltar do arquivo da juventude as conversas e o convívio, por vezes faltando às aulas, simplesmente para me fazer acompanhar por colegas e amigos na envolvência da natureza humana. Porque é que se sai deste quase paraíso? Porque aceitamos viver num enquadramento social em que, por vezes, a sua rudeza e indiferença tanto contrasta com a boa disposição do vizinho do lado ou mesmo da menos importante intriga de quem tem ainda tempo para se dedicar a isso. Uma foto do meu avô, a calçar as botas de trabalho no campo, a trazer-me às lágrimas as palavras dele dizendo que aqui também se vive bem, com menos dinheiro e a chave na porta da rua (a segurança será outra decerto). O Vimieiro, o Reconquinho, as brincadeiras, a Barca Serrana e as modernas canoas…as gentes e os seus hábitos justificam aquilo que ainda sou, mesmo adulterado por hábitos consumistas e citadinos, louvo a existência passada por estas “bandas” (palavra muito utilizada pela minha avó, analfabeta na esferográfica mas conhecedora de uma vida a passar-nos ao lado).
 Boa bonança nestes passos que agora estão firmes. No entanto, um pé parece que nunca saiu daqui e o outro não regressou comigo.

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